O livro de Júlia Studart nos propõe uma vertigem intelectual, a estratégia de uma antologia desconstrutiva, que não hesita, entretanto, em reconhecer, nos novos espaços pelos quais transita Gonçalo Tavares, a autoimunidade da própria democracia, uma vez que, no bairro, a vida está suspensa ao poder soberano do sagrado e é por isso mesmo que a própria cidade oscila, entre centro (centre-ville) e periferia (centre-vide). Nesse modelo de arqui-ficção, já não são relevantes oposições do tipo verdade/inverdade; estória/ história; ficção/não-ficção, oposições ativas quando o realismo era
uma simples, porém hegemônica, crônica de eventos.
Mesmo assim, não desaparece todavia o problema da tradição ou do estilo, de sorte tal que Júlia Studart nos desvenda, em seu livro, um novo realismo global, associado contudo a formas artísticas de longa duração, para assinalar um peculiar espírito de época: a aceleração de relações, a ponto de modificar a própria identidade, associando-se a uma depuração da morte, como memento ético-religioso, com o intuito de assentar uma linguagem complexa e nada trivial, sem muitos equivalentes hoje em dia.
Raúl Antelo